quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Quase biográfico

Na mesinha do lado da cama repousa Clarissa, um livro alaranjado de pequena espessura feito, porém, de páginas delicadamente escritas para encantar o leitor. Da narrativa simples surge uma vontade imensa de resgastar a personagem pra fora do papel e lhe contar os mistérios da vida que tanto lhe causam curiosidade.
Por quê? Ora, basta lembrar de si com os mesmos anos. Menos ingênua - claro, mas com a mesma mania de absorver do mundo todos os segredos, as confissões, as explicações, as razões, os desejos... Sentir, guardar dentro de si e criar um quebra-cabeça da vida.
Tudo é tão novo, espetacular e instigante! E a cada descoberta incipiente um sentimento de superioridade submissa, afinal ainda há de vir outra revelação. É como mergulhar na onda forte e esperar a próxima, confiante por ter ultrapassado a primeira.
O engraçado é que dizem: "Criança é que é feliz. Tudo é festa, veja só!". Mas o mundo não pára, o novo não deixa de surgir, os mistérios tornam a se multiplicar.
Não se aborreça, Clarissa. Haverá sempre o que descobrir. Até porque o inexplicável de um dia para o outro se transforma na mais compreensível das coisas, e é assim desde sempre.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Pingos.

Água.
Para matar a sede. Um pouco no rosto, pela manhã, para acordar de vez. Alguns litros para lavar a alma, naqueles dias tensos. Com sal dizem que espanta coisa ruim. Com açúcar já acalma. Tem da benta, que só funciona com quem acredita. Gelada em dias particularmente tropicais; borbulhando e pronta para um chá ou café nos mais frios. No fogo para cozinhar, evaporar e deixar tudo pronto para o estômago faminto. A pia, a louça, o carro, a casa: higiene e cara nova. Uma ducha quente depois de um dia longo. Banho de mangueira quando se é criança - ou não. No regador, para alegria do jardim. Salgada e com ondas, uma delícia. Com cloro para quem gosta de esquecer da vida em algumas chegadas. Algumas carregadas pela correnteza, cheias de vida.
Mas a melhor? Aquela que condensa no céu e cai inesperadamente, arrancando reclamações de uns e risos de outros.
É, eu adoro banho de chuva.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Ficar são...

Ele conversa no quarto ao lado, derramando conselhos e lágrimas alheias. Sentada no sofá, intercalando sua atenção entre a tv e o outro cômodo, ela absorve cada palavra dita e subentendida.
Ela já não se pergunta por que isso está acontecendo ou por qual motivo, entre tanta gente no mundo, ele foi um escolhido. A questão da vez é como, nessa situação, ainda há sabedoria, um mínimo de paz e coisas bonitas a serem ditas.
"De onde vem a calma daquele cara?" um dia perguntou Camelão e seus companheiros. E hoje eu divido essa dúvida. Me coloco em seu lugar, tentando - em vão - imaginar como reagiria ao desmoronar da vida. Da minha vida, no sentido mais literal possível. O resultado desse questionamento me mostra o quanto ele é forte, digno, especial. E então me deparo com um misto de orgulho e dor. Não sei se preferia a covardia que o deixaria pra sempre comigo ou se é melhor provar desta idolatria penosa. Não sei.

E talvez você, que nem (gosta) conhece de Los Hermanos, cante por dentro: "O mal vai ter fim/E no final, assim calado/Eu sei que vou ser coroado rei de mim."