domingo, 15 de fevereiro de 2009

Rotina de estrada

Simpática, sorriu para a atendente, colocou a revista no balcão e pediu a passagem para Corumbá: qual horário?, pode ser no próximo, preferência por assento?, prefiro janela, tenho na poltrona 19, pode ser, R$ 183 no convencional senhora, ok, maquininha imprimindo passagem, caneta riscando, troco devolvido, obrigada senhora tenha uma boa viagem, obrigada e um bom trabalho querida.
A mala era razoavelmente pequena, uma muda de roupa para desmentir a história de que mulher não sabe ser comedida na hora de arrumar as tralhas para viajar.
Apesar disso, porém, o rapaz veio ajudar: precisa de ajuda?, não tá leve, magina a senhora grávida já carrega peso suficiente, ah se não for te incomodar, claro que não, obrigada.
Plataforma 16, o mocinho de bigode mal crescido levantou, ela agradeceu, o outro depositou sua bagagem ao lado da cadeira e foi embora. Um calor miserável e uma criança insuportável ao lado, berrando por "Tódinu, mã!".
O ônibus encostou, um povo mal educado achando que o ônibus vai partir sem eles, desesperados para jogar as malas na cara do ajudante da empresa de ônibus e se refestelar na poltrona - alucinados pela janela, mesmo que seja pra fechar a cortina e não ver a paisagem durante o percurso todo.
Passado o tumulto, ela entrega sua passagem para o motorista (a cara do Dráuzio Varela!). Pesa a perna, a barriga empina, a mocinha do primeiro banco oferece a mão como apoio. Agradecida, ela alcança o corredor, procura por seu lugar e acomoda-se. "Senhor, que aquele moleque chato do Toddynho não sente do meu lado!". Sabe, sentimento materno aflorando incrivelmente...
Mas é ele mesmo que vai na poltrona 18. "Esqueci minha fita crepe, porra!" A mãe dá uns tapas, comenta como o sono perturba uma criança, pergunta de quantos meses ela está, qual o sexo, o nome... aquele papo todo.
Enfim o ônibus sai. A mãe fecha logo os olhos, buscando o mesmo sono do filho. E ela vai ler a reportagem sobre celulite, finalmente.
Dorme logo, acorda, come, o trajeto é interrompido para uma corrida coletiva alucinada em busca de coxinha numa lanchonete duvidosa de beira de estrada. Ela vai, compra umas besteiras, a romaria toda volta. Quilômetros. Sol, chuva, pôr-do-sol, dorme, acorda. Parada policial.
Ok, ela precisa fingir que vai ao banheiro. A barriga entala no pouco espaço que o menino libera, os fardados entram, ela se assusta, tropeça, é jogada pra cima do cara da poltrona do lado oposto, a roupa enrosca em alguma coisa, ela cai no chão.
A senhora tá bem?, ai me desculpa que vergonha, não tudo bem bateu a barriga?, não ela tá...
A roupa rasgou! O sujeito olha com cara estranha e o menino solta um "Mã, ela tem uã alnofada na baíga?". O guarda se aproxima, ela tenta fugir para o fundo do corredor. Em vão. O policial a puxa pelo braço, dá um riso de sarcasmo, arranca a barriga e fura. "Bonito, hein minha senhora!"





"Mulher de 32 anos supostamente grávida é presa em ônibus que saía de São Paulo para Corumbá. Durante uma blitz da Polícia Rodoviária, um incidente revelou que sua barriga era falsa. Intrigados com o fato, os policiais cortaram o tecido e encontraram 2 kg de cocaína em seu interior. Ainda não se sabe onde seria feita a entrega, pois a suspeita não quis responder às perguntas feitas na hora do flagrante, mas a Polícia acredita que a droga seria levada até a fronteira com o Paraguai.(...)"