sexta-feira, 24 de abril de 2009

Caras e Bocas

Há alguns anos uma menina fitava o espelho. Os olhos grandes e curiosos vasculhavam cada milímetro de sua imagem refletida. Devo dizer que ela adorava contemplar-se, imitar outras pessoas, representar personagens e cenas de novela, cantar cheia de trejeitos, fazer caretas: tudo isso na frente daquela coisa mágica que mostrava seu reflexo e que também invertia a ordem das palavras escritas.
Naquele dia, entretanto, ela se deteve com uma indagação do futuro, porque talvez foi quando percebeu que as pessoas se transformam e envelhecem. Então, uma ideia lhe passou pela cabeça: como ela seria daqui alguns anos?
O cabelo seria comprido, afinal ela nunca pôde abandonar todos os inúmeros tipos de corte estilo chanel. Bem que poderiam surgir alguns cachinhos, afinal aqueles fios lisos nunca conseguiram manter sequer uma presilha ou um simples rabo-de-cavalo. A boca, os olhos - ficariam iguais? Os lábios talvez tornariam-se mais carnudos, como os da maioria das mulheres que apareciam em revistas. Se bem que o da mãe...
As bochechas! Como ela queria que diminuíssem, ficariam mais bonitas assim. Ainda mais quando pudesse se maquiar de verdade! Seria baixinha ou alta como o pai? Bom, ela achava mulher "pequena" mais charmosa. Que ficasse magrinha, não era pedir muito. E a voz? Não conseguia se imaginar com voz mais de adulta, nem muito fina nem muito grossa.
Projetar sua própria imagem de anos depois era impossível. Mais difícil que divisão com dois números na chave.
O que aconteceu? Ela cresceu. Virou essa Winnie, um pouco diferente do que imaginara. Uma coisa manteve: essa mania de fazer projeções e previsões.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Partida

De todos os amores e de todas as paixões, só aquela restou. Nas outras? A dor da perda, a dor de corno, a dor da separação de consentimento mútuo, a dor do sentimento platônico ou do não correspondido, a dor na falta de dor.
E todas elas se foram. O que lhe restou foi a cerveja sempre gelada, o amendoim e o jogo nas quartas e finais de semana. É, não é preciso terapeuta ou antidepressivos quando se tem futebol. Mesmo nas derrotas.
E ali está ele, de novo sozinho. Seu amor, sua vida: em jogo. Os dias anteriores passaram lentamente, as projeções e palpites rolaram. É aquele sentimento de adolescente (ou de imaturo) apaixonado, que não sabe se confia plenamente na amada ou se mantém a pose como forma de segurança. Mas ele anda confiante, promete se entregar de corpo e alma. E assim o faz.
No dia marcado, lá está o dito cujo. Roupa alinhada, de acordo com a ocasião. As mãos, geladas, transpiram e tremem. Medo bobo, ele diz a si mesmo. Chega no local e espera. Os minutos se estendem, aterrorizando-no. Alguns outros homens tentam puxar papo, mas a garganta dele está seca e sua voz entala entre as amídalas.
É quando ele vê. Entrando, deslumbrante, em preto e branco. Não são 11 jogadores como tentam nos iludir os olhos; é o Corinthians - uma unidade feita do todo da paixão de um torcedor fanático.