terça-feira, 15 de maio de 2012

Rumo

Quando você acorda e tudo demora a fazer sentido, talvez não seja apenas sono. Há um pouco da própria confusão no despertar, porque começar um novo dia é reafirmar quem se é. O problema, porém, surge quando não se sabe quem acorda, quem é o corpo ainda lento e preguiçoso. Ou quando aquilo não é o melhor, mas apenas um rascunho que muito desagrada.
Na maior parte das vezes, a inércia vence e, ainda que se saia da cama, não há ânimo ou vida, apenas uma sucessão de movimentos repetitivos, sorrisos mecânicos, olhares dispersos. E há uma mente que sempre imagina como seria se tudo fosse diferente - ou se ela mesma fosse o oposto daquilo que tem a oferecer ao mundo e ao restante do corpo.
Nessas condições, o tempo passa despercebido, até que, num dia frio e chuvoso, uma caminhada revela segredos e delícias escondidas dentro daquela mente decepcionada consigo mesma. E ela vê, no reflexo proporcionado pelas poças d'água da calçada, muito de si que perdeu-se em algum momento, em algum lugar. No meio dos anônimos que transitam por ali, encontra fragmentos, versões e ideias que pertencem a ela, mas que jamais foram descobertas.
Assim, como disse Florbela Espanca, "que me saiba perder... pra me encontrar", e para sobreviver.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Parágrafo

"(...) Amanhã, pai, você pode querer matar alguém, e isso você nunca vai fazer porque é uma encrenca danada matar alguém, mas se a idéia não sai da cabeça, você começa a pensar em algo que não te incrimine, um crime perfeito, como costumam dizer, então, o que te diz que você não vai planejar o crime perfeito?, ficar só na vontade não sufoca?, quantas vontades dão certo?, quais você controla e quais você deixa escapar?, quem me diz que aquilo eu não posso fazer, pai? Tudo bem, leis, regras, nos deram algumas tarefas, exercícios, mas temos o direito de recusar. Eu não sei o que é ser feliz. Fazer o que me mandam, o que me ensinam, ou seguir a minha vontade? Eu estou infeliz e não consigo entender por quê. Parece que ajuda falar mas não alivia."

Trecho de Não és tu, Brasil, de Marcelo Rubens Paiva.

Porque isso é uma das coisas que eu amo nos livros: há sempre um pedaço de você ali, nem que seja num parágrafo perdido entre tantos outros.